Diogo de Macedo escreveu estas palavrinhas em 1939... É incrível perceber que nos assentam que nem uma luva:
"Casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem
razão". O nosso povo arranjou este adágio, que eu sinto ganas de alterar
dizendo com a mesma verdade: - "e todos têm razão". (...) Falta-nos a
todos uma fé superior: - fé em nós próprios; fé na nossa arte; fé num ideal
qualquer que nos guie acima dos mesquinhos interesses materiais; fé no nosso
semelhante; fé naqueles que nos falam em fé; fé no Presente e fé no Futuro; fé,
finalmente, nas coisas mais sagradas que honram o Passado, e este nos devia
impor para o merecermos e nos impormos a nós próprios, com honra e orgulho.
Além da Fé, falta-nos consequentemente o Amor: - amor à beleza; amor ao
trabalho; amor ao espírito que ilumine o nosso próprio; amor à Vida, amor à Fé
e amor à Arte. Depois da Fé e do Amor falta-nos a terceira farinha de que se
compõe o pão dos artistas: - o estímulo justo das colaborações materiais, que
nos leve abençoar determinados
sacrifícios; a criar uma obra valorosa; a pleitear conscienciosamente pelos
prémios da permanente maratona que é a ambição na arte; a solenizar os acordos
entre a ilusão e a realidade; e darmos graças a Deus pelas graças com que nos
dotou, e a darmos graças aos homens pela liberdade e pela compreensão dos seus
deveres, com que ajudaram a realização da nossa obra, que passa a ser deles
também, porque foi inspirada numa verdade comum; e a rezarmos, enfim, ao pão
que adoramos e comemos, sem razão, portanto, para ralhos, mas com razão para
audaciosas conquistas, deslumbrados com o sonho de insatisfeitas Descobertas. A
falta deste pão que dá razão aos queixumes de todos e desânimos a muitos, foi,
em parte, motivada na descrença criminosa que nos incutiram no sangue até nos
matarem o Ideal. Nós não acreditamos em nada que mereça um feliz sacrifício.
Não cremos na poesia, não cremos no céu, não cremos em nós. Vivemos à dentada,
traficando, odiando, prostituindo-nos. E como não cremos e só lutamos pelos
sentidos baixos, não sabemos cantar, nem ser generosos, nem ser alegres.
Troçamos das preces, tememos os mistérios, choramos o nosso fado. Os artistas
continuam a ser artistas, não por um benefício divino, mas sim como uma punição
do destino.(...)”
Diogo de Macedo - Notas de Arte: Fé, Esperança, Caridade. In Revista Ocidente, Fev. 1939.
Diogo de Macedo - L'Adieu, 1920.
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